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segunda-feira, 9 de julho de 2012

O PENSADOR DA CONTRADIÇÃO


Você sabe quem é Nilton da Costa?

“Sou o espírito que tudo nega”


O professor entra em sala, vai até o quadro negro, pega um giz, embrulha uma de suas pontas cuidadosamente com um pedaço de papel para não tocá-la ao escrever, coloca uma pastilha de hortelã na boca, e diz para os alunos à sua frente: “vim jogar a serpente no paraíso de vocês”. E começa a conferência, ágil, voz forte, um riso às vezes brincalhão no rosto.

O professor é Newton Carneiro Affonso da Costa e um dos cinco matemáticos brasileiros de maior projeção internacional, pelo número de citações que seus trabalhos recebem, todos os anos, e pela enorme influência que exerceu e exerce através de seus muitos alunos e colaboradores, que se espalham do Brasil aos Estados Unidos, à Europa e até à Austrália.

Um dos alunos de Newton da Costa, um dia, entrou no gabinete do professor, no departamento de filosofia da Universidade de São Paulo, e enquanto este olhava algo surpreso, o aluno escreveu no quadro negro: ich bin der Geist der stets verneint. É uma citação do Fausto de Goethe, sou o espírito que tudo nega. A citação se aplica perfeitamente a Newton da Costa, pois seus trabalhos mais difundidos dizem respeito às chamadas lógicas paraconsistentes.

A lógica clássica, tratada com os métodos matemáticos, desenvolveu-se extraordinariamente desde meados do século XIX, a partir dos trabalhos do inglês George Boole, passando pelo alemão Gottlob Frege, por Alfred North Whitehead e Bertrand Russell, vindo a consolidar-se com as contribuições de David Hilbert, Kurt Gödel e Alfred Tarski, entre vários outros. No âmbito de um sistema lógico clássico, dadas duas proposições contraditórias (ou seja, uma delas é a negação da outra), qualquer proposição do sistema pode ser deduzida. Em outros termos, e dito por alto, de uma contradição tudo se demonstra. Quando isso acontece, o sistema teórico fundamentado na lógica clássica é chamado trivial. Inconsistência (existência de contradição) e trivialidade não eram conceitos separados até Newton da Costa. Aliás, o “horror às contradições” vem pelo menos desde Aristóteles, com a sua ênfase na validade do Princípio da Não-Contradição, e costuma ser admitido, sem hesitações, pela grande maioria dos matemáticos.

Newton da Costa mostrou que os matemáticos não precisam recear as contradições, pois descobriu como estender a lógica clássica de modo a obter sistemas formais (ditos paraconsistentes) nos quais a existência de proposições contraditórias não conduz à trivialização do sistema. Com isso, não pretendeu destruir a lógica clássica, que chama de “mãe de todas as lógicas,” e nem provar que está errada. Apenas mostra que ela se aplica a um domínio definido, limitado, da matemática. Seus trabalhos a este respeito iniciaram-se em 1958, e culminam em sua tese de cátedra, Sistemas Formais Inconsistentes, apresentada em 1963, que conclui com o aforismo de Cantor, o criador da teoria dos conjuntos: a essência da matemática radica na sua completa liberdade. Aqui, temos o que parece ser a idéia-mestra, o fio condutor dos trabalhos de Newton da Costa: a imaginação pode nos levar a inventar universos matemáticos novos e que podem ter interessantes conseqüências.


Newton da Costa (Da Costa)
Newton Carneiro Affonso da Costa (Curitiba, 16 de setembro de 1929) é um matemático, lógico e filósofo brasileiro, de reputação internacional devido principalmente aos seus trabalhos em lógica. Conseguiu três graduações pela Universidade Federal do Paraná: em 1952 formou-se em engenharia civil, e em 1955 e 1956 obteve o bacharelado e licenciatura em Matemática ambos pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Especializou-se em licenciatura de Matemática no ano de 1957, e concluiu o seu doutorado de análise matemática e análise superior no ano de1961, sob a orientação de Edison Farah. Newton da Costa foi professor catedrático da UFPR, professor titular de Matemática e de Filosofia na USP, e professor titular na Unicamp. Foi, também, visitante em muitas entidades de pesquisa nas Américas e na Europa. Hoje é professor visitante do Departamento de Filosofia da UFSC.

  

Principais contribuições em ciência

Lógicas paraconsistentes

Em sistemas lógicos paraconsistentes a existência de proposições contraditórias não implica a trivialidade dos sistemas. As implicações destes sistemas lógicos tem importância acadêmica e prática tanto para os fundamentos quanto para as aplicações de ciências como direito, matemática, física e engenharia. Ser um dos criadores desta lógica não-clássica (tópico da lógica) deu parte do reconhecimento internacional que o Professor Da Costa granjeou.
Os conhecidos cálculos Cn de Da Costa foram amplamente generalizados e ampliados pelas Lógicas da Inconsistência Formal investigados por Walter Carnielli, Marcelo E. Coniglio e João Marcos.
Juntamente com seu colega (e ex-orientando), o lógico Walter A. Carnielli, professor da UNICAMP, Da Costa deu uma contribuição original à Lógica Dêontica. Da Costa e Carnielli mostraram que uma lógica menos rígida que a lógica clássica pode dar uma nova resposta aos chamados paradoxos deônticos. Esta contribuição ao debate é reconhecida no verbete Deontic Logic da Stanford Enc. of Philosophy.

Teoria da Quase Verdade

Da Costa com alguns de seus colaboradores, estendeu o conceito escolástico de verdade, formulando, à maneira de Alfred Tarski, uma noção, a teoria da quase verdade ou verdade parcial que então aplicou aos fundamentos da ciência.

Fundamentos da matemática e da física

O método axiomático é uma ferramenta que estende a compreensão a respeito dos limites e desdobramentos das teorias. As pesquisa de Da Costas incluem teoria dos modelos, teoria de Galois, axiomatização da mecânica quântica e da relatividade restrita e teoria da complexidade.
Da Costa juntamente com o físico Francisco A. Dória axiomatizou, utilizando o predicado de Suppes, várias teorias físicas, chegando a resultados importantes como o da incompletude ou indecidibilidade de certas proposições da teoria de sistemas dinâmicos, em sua versão axiomatizada. Este resultado também foi estendido para o equilíbrio de Nash.

P=NP?

O problema P = NP? é um dos problemas mais importantes da teoria da computação e relaciona-se diretamente com a limitação do poder de processamento dos computadores, entre outras questões de aplicação prática.
Juntamente com Francisco A. Dória, Da Costa publicou dois artigos que condicionam a consistência do problema P=NP? à teoria de conjuntos ZFC. Os resultados obtidos são similares aos obtidos por outros autores e a comunidade científica ainda está avaliando estes resultados.

Fontes:

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